Capítulo 20
✦♰✦ E Se o Papa Canalha se Tornar Competente ✦♰✦
tradução: manteiga • revisão: Dani
◈ 20. Habilidade de Delsi
O item que peguei do meu inventário foi o “Manual do Usuário do Polydroid”, que vinha junto com o novo dispositivo do Rubin.
Folheando rapidamente suas páginas, examinei o conteúdo com uma mistura de esperança e desespero.
“Talvez… só talvez, a informação que eu preciso esteja aqui.”
O conhecimento sobre a criação de Elixires era uma arte antiga, perdida no tempo.
Há muito tempo, a humanidade havia aprendido a receita por meio de textos antigos, mas a nobreza a monopolizou, tratando-a como um privilégio exclusivo.
Esse acúmulo egoísta fez com que a receita nunca fosse amplamente compartilhada e, eventualmente, desaparecesse na obscuridade.
Mas e se… alguém que existiu antes de ela ser perdida — alguém do passado distante — ainda retivesse esse conhecimento?
Com esse pensamento, comecei a vasculhar o manual de Rubin, o Polydroid “antigo”, na esperança de descobrir algo valioso.
“E ali está — ‘a receita do Elixir’!”
Na página 192, sob a seção intitulada <Funções Principais>, finalmente encontrei o que estava procurando:
<Funções Principais>
Em situações urgentes que exijam um Elixir, seu Polydroid pode gerar a receita para você.
Basta usar a função de impressão de receita em seu companheiro capaz e amigável, que está sempre pronto para ajudar!
Para instruções detalhadas sobre como usar esse recurso, consulte a seção a seguir.
Um método para restaurar uma tecnologia perdida por mais de 200 anos estava ali, descrito em um pequeno manual que eu havia jogado de lado sem pensar.
Eu havia ousado ter esperança, mas não esperava que a resposta realmente estivesse lá.
Hoo… Huu…
Respirando fundo, controlei minha empolgação e me forcei a manter a calma.
Voltei-me para a sacerdotisa superior de plantão — Delsi.
“Delsi, acho que preciso ir até o anexo oeste por um momento.”
“…”
“Delsi?”
“…”
Os olhos verde-claros de Delsi se moveram rapidamente pelo cômodo, fingindo não me ouvir.
Pelo olhar constrangido dela, era óbvio que os outros sacerdotes superiores haviam instruído que ela ignorasse qualquer pedido meu para sair da sala.
Sem me deixar abater, chamei o nome dela mais algumas vezes até finalmente obter uma resposta — não dos lábios de Delsi, mas do bico do fantoche em forma de pato que ela sempre carregava.
[Não… Você não pode.]
“Desculpa?”
[Você não pode sair. Sua Santidade precisa descansar… Por favor, não vá… Quack…]
“…Quack?”
“É verdade, mas tenho algo urgente para fazer no anexo oeste. Vai ser rápido.”
“Estou dizendo, é só por um momento. Não estou tentando fugir. Não se preocupe.”
“Você disse que sempre confiaria em mim, não importa o quê… Isso era só uma mentira?”
[Quack… Quack…]
Mesmo quando todos os outros rejeitavam e ridicularizavam Nikellus como um renegado, Delsi sempre ficou ao lado dele.
O vínculo entre eles era profundo no passado, e Delsi já havia dito com convicção que nunca viraria as costas para Nikellus, não importava o que os outros dissessem.
E, no entanto…
‘Bom, talvez ela tenha razão em duvidar de mim.
Afinal, prometi não causar problemas, só para voltar praticamente meio morto.’
Diferente de Bliss, que provavelmente usaria força bruta e armas para me manter preso, Delsi não recorria a esses métodos.
Mas sua postura firme era clara.
Parecia que, desta vez, persuasão não funcionaria.
Me restava apenas uma opção:
‘Distraí-la por um momento e escapar.’
O corpo de Nikellus — meu corpo — possuía capacidades físicas de grau S, muito superiores às de Delsi.
Apesar de Delsi dominar habilidades mentais de alto nível, seus atributos físicos eram apenas de grau E.
Se eu me movesse rápido o suficiente, não haveria como ela me impedir.
Senti uma pontada de culpa, mas—
‘Vou me desculpar depois, com um Elixir nas mãos. Por agora, fazer isso é a maior prioridade.’
Determinado, me dirigi a Delsi novamente.
“Certo, tudo bem. Você poderia me trazer um pouco de água morna? Minha garganta está um pouco seca.”
[Ah, sim, claro! Só um momento! Quack–]
No instante em que Delsi se virou para pegar a jarra d’água perto da lareira, eu entrei em ação.
Saltei da cama, meus pés tocando o chão com determinação.
Atrás de mim, ouvi o som assustado da jarra caindo e se estilhaçando no chão, mas eu já estava na porta.
‘A liberdade está a um passo!’
Agarrei a maçaneta, uma onda de triunfo correndo pelo meu corpo—
“Pare! Você não pode! Por favor, pare!”
O grito desesperado de Delsi cortou o ar, acompanhado por uma imensa onda de força mental.
[“Pare agora mesmo!”]
A ordem carregava o peso de uma habilidade poderosa, que tomou o controle do meu corpo instantaneamente.
E, assim, eu congelei no lugar.
…Eu não consigo me mover. Então essa é a habilidade dela.
Não foi a minha vontade que me deteve.
Tentei girar a maçaneta novamente, mas minha mão permaneceu imóvel, ignorando completamente minha vontade.
Mal conseguindo mover a cabeça, virei o rosto para olhar para trás.
Delsi estava com a mão sobre a boca, o rosto tomado por uma mistura de choque e arrependimento.
[Me d-desculpe, quack—fiquei tão assustada que acabei usando minha habilidade sem querer…]
A habilidade que ela acabou de usar em mim era uma que eu conhecia: [A Voz que Move Almas (??).]
Era uma habilidade do tipo mental que forçava o alvo a obedecer absolutamente à ‘voz’ do usuário.
Essa técnica era notoriamente difícil de resistir, mesmo com itens ou habilidades defensivas de grau L.
‘Como eu imaginava, é uma habilidade perigosa.’
Era chamada de [O Sussurro do Rei Caído]? Eu lembrava que Bliss tinha uma habilidade semelhante, embora funcionasse de forma bem diferente.
A habilidade de Bliss tinha condições de ativação mais rigorosas e durações mais curtas, enquanto a de Delsi não possuía tais limitações.
Nas mãos erradas, era uma arma capaz de levantar um exército de soldados contra a própria vontade e derrubar nações inteiras.
O hábito de Delsi de se comunicar por meio de um item como o fantoche de pato, ao invés de usar sua própria voz, era uma forma de mitigar os perigos de uma habilidade tão poderosa.
[Eu t-tô mesmo arrependida… Não foi minha intenção, quack…]
Ao ouvir a voz trêmula e cheia de culpa vindo do fantoche, interrompi meus pensamentos por um momento.
‘Ela espera que eu fique com raiva? Bom… Se fosse o antigo Nikellus, ele provavelmente não deixaria isso passar.’
Mesmo que Delsi nunca tivesse temido muito Nikellus no passado, agora ela parecia pálida, pedindo desculpas repetidamente com a voz tremendo.
[Quack, quack… E-eu sinto muito de verdade…]
“Tudo bem. Eu não estou ferido nem nada.”
[Mas eu cometi um erro tão grave—Espera, o quê?]
Delsi parou no meio do pedido de desculpas, os olhos se arregalando em incredulidade ao me encarar.
A expressão dela deixava claro que não tinha certeza se havia me ouvido corretamente.
Então, repeti:
“Você não precisa se desculpar.”
[Você… não está bravo, quack…?]
“Por que eu estaria bravo? Se pensar bem, fui eu quem te assustou ao tentar sair correndo sem explicar nada. Se eu tivesse dito o que precisava e por quê, você não teria se surpreendido tanto, e não teria ativado sua habilidade por acidente.”
Enquanto eu falava, o rosto de Delsi foi lentamente se transformando em uma expressão de total descrença, como se tivesse acabado de ver um fantasma.
‘Ela está realmente chocada. Será que mudei meu tom de forma muito brusca?’
Até agora, eu já tinha interagido bastante com os outros Sacerdotes Superiores.
Mas essa era a primeira vez que eu realmente tinha uma conversa longa com Delsi.
Percebi que Delsi ainda devia estar me enxergando como o antigo Nikellus, então minha mudança repentina de atitude provavelmente a deixou desconfortável.
Para amenizar a situação, tratei de explicar rapidamente.
“Ahem, você provavelmente já ouviu um pouco, mas eu mudei. De agora em diante, vou tentar controlar meu temperamento e evitar preocupar as pessoas ao meu redor.”
[Ah… Entendi…]
“Agora, sobre o motivo de eu querer ir ao anexo oeste… Eu vou te contar, mas você poderia desativar sua habilidade primeiro?”
[Ah! A habilidade! Desculpa!]
Como se tivesse se esquecido completamente, Delsi arregalou os olhos e rapidamente desfez a habilidade.
Abaixe um pouco o tom de voz e, então, compartilhei com ela meu segredo — e meu grande objetivo.
Ao ouvir, Delsi congelou por um momento, os ombros tremendo de surpresa.
[O quê!? Você realmente acha que pode fazer isso? Mas a receita foi perdida há 200 anos…]
“Não posso garantir nada. Pra ser honesto, eu ia tentar primeiro sem te contar porque nem eu tinha certeza. Não queria te explicar tudo e tentar te convencer antes de confirmar se era possível.”
Dei um sorriso um tanto sem graça e fiz a ela mais uma pergunta.
“Então, o que me diz? Vai me ajudar a chegar ao anexo oeste?”
No fim, Delsi concordou em me ajudar — mas com duas condições.
A primeira era que ela iria comigo. E a segunda, que eu não poderia sair na minha forma atual — teria que me disfarçar.
Ela insistiu nisso, dizendo que não queria que Luciana descobrisse que ela estava me tirando dali contra ordens diretas de mantê-lo sob vigilância.
Por algum motivo, Delsi parecia genuinamente com medo de desagradar Luciana.
Talvez fosse porque, sendo quieta e reservada, Delsi via Luciana como uma figura de irmã mais velha — alguém que era seu oposto em personalidade.
De qualquer forma, acabamos concordando com o disfarce, mas não pude evitar de pensar:
‘Isso aqui é mesmo o que chamam de disfarce?’
Vesti uma túnica comum de sacerdote e, como toque final, colei um bigode falso que peguei às pressas emprestado dos aprendizes.
Para completar, coloquei um par de óculos grossos, também emprestados, para esconder o rosto.
A roupa descombinada, o bigode e os óculos…
Era uma combinação tão ridícula que praticamente gritava: “Sou uma pessoa suspeita!”
E claro, depois de andar um pouco pelos corredores, pude sentir os olhares estranhos se voltando em nossa direção.
Não consegui evitar pensar: ‘…Acho que estou chamando mais atenção do que quando não estou disfarçado.’
Ainda assim, Delsi parecia confiante na eficácia do disfarce, caminhando com firmeza sem nem se preocupar em esconder o rosto.
Felizmente, os sacerdotes que encontramos pelo caminho não pareciam nos reconhecer — provavelmente por cortesia, já que nossa tentativa de disfarce indicava que não queríamos ser identificados.
Enquanto seguíamos em direção ao anexo oeste, ouvimos o som de metal batendo.
Tum… Tum…
Olhei na direção do barulho e vi operários removendo lajotas da rua.
“Parece que estão em reforma.”
[Sim, as pedras estavam rachadas em vários pontos, então começaram a removê-las. Não conseguiam fazer isso antes por falta de verba, mas ouvi dizer que a estátua dourada que Vossa Graça trouxe foi vendida por um bom preço a um colecionador de antiguidades. Agora têm dinheiro para os reparos. Quack–]
“Ah, entendi. Com o dinheiro da estátua, finalmente começaram os consertos. Essa estrada estava mesmo bem desgastada.”
Assenti, ouvindo a explicação de Delsi.
A catedral, com seus séculos de existência, tinha muitas partes danificadas — escadarias, lajotas do caminho e, especialmente, as árvores que ladeavam as ruas, todas negligenciadas durante os períodos de crise financeira.
‘Será que contrataram novos jardineiros? Tudo parece muito mais cuidado agora.’
Observando as ruas recém-limpas e as árvores bem podadas, não pude evitar um certo orgulho.
“É bom ver o esforço dando frutos.”
[Sim! Graças a Vossa Santidade, as coisas antigas estão aos poucos melhorando. Eu me sinto tão… Quaaack!]
De repente, o fantoche em forma de pato que Delsi sempre carregava soltou um grito agudo e estranho.
A própria Delsi rapidamente se escondeu atrás de mim.
O motivo do pânico repentino era óbvio:
‘Luciana!? O que ela tá fazendo aqui?’
Era Luciana — que, em teoria, deveria estar suando no campo de treinamento do anexo leste.
Mas ali estava ela, vagando perto do anexo oeste.
Ela provavelmente nos percebeu, já que o movimento brusco de Delsi chamou atenção.
‘Estamos encrencados. Já é tarde demais pra fugir agora.’
Abaixei rapidamente atrás de uma árvore, mas foi inútil — Luciana com certeza tinha nos visto.
Toque, toque.
Ouvi os passos dela se aproximando, lentos e pesados.
A situação era crítica.
Mas às vezes, o cérebro humano realiza verdadeiros milagres em momentos de desespero.
Continua…