Capítulo 13
✦♰✦ E Se o Papa Canalha se Tornar Competente ✦♰✦
tradução: manteiga • revisão: Dani
◈13. Uma maçã para o vigarista
“…v-você… l-lembra… de tudo?”
ouvir aquela pergunta descarada do conde fez meus punhos se fecharem involuntariamente.
“lembro sim, seu desgraçado sem vergonha. aposto que você ficou todo contente quando soube que eu tinha esquecido daquele dia por causa da febre. ia bancar a vítima e tirar proveito da situação até a última gota, não é?”
antes de recuperar minhas memórias, eu mal sabia o que tinha acontecido na propriedade do conde.
quando ouvi pela primeira vez as pessoas dizendo “nikellus causou confusão na propriedade do conde”, achei que tinha sido só o nikellus original perdendo a paciência e fazendo um escândalo.
quase cheguei a pagar uma fortuna em indenizações, achando que a culpa tinha sido mesmo dele.
se não fosse pela recompensa em fragmentos de memória que recebi ao completar a revelação divina, talvez eu tivesse mesmo pago.
mas agora…
“eu me lembro de tudo. então para de enrolar e me diz: onde está a vidente mais antiga? onde você a prendeu?”
“a… vidente mais antiga…?”
“é, a pessoa que você sequestrou. me diga onde está mantendo ela!”
a expressão do conde mostrava o medo.
achei que um pouco de intimidação bastaria pra ele abrir o bico.
mas então…
“a vidente é…”
“hm?”
“a vidente é minha! só minha!”
“…o quê?”
o homem que estava tremendo até um instante atrás de repente ergueu a voz.
era como se tivesse sido possuído por algum feitiço, mudando de atitude sem aviso.
“mas que merda? ficou louco de vez? baixa esse tom—”
“ninguém, nem mesmo você, vai tirá-la de mim!!”
“ele enlouqueceu de verdade…?”
“pode perguntar sobre a vidente o quanto quiser! é inútil! eu nunca, em hipótese alguma, vou te contar nada!”
claro, a vidente que ele sequestrou era, sem dúvida, uma pessoa de imenso valor.
mas priorizar proteger a vidente em vez da própria segurança, mesmo prestes a apanhar?
tinha algo aí que não batia.
o jeito como o comportamento dele mudou de forma tão estranha só ao ouvir a palavra “vidente” era suspeito, no mínimo.
‘…abrir janela de informações.’
algo parecia errado, então abri a janela de informações para conferir.
à primeira vista, nada parecia fora do comum.
as habilidades dele eram medíocres, e os pontos de karma estavam, como esperado, bem baixos.
pra ser sincero, eu até considerei a possibilidade de ele ser um não-desperto e de a janela nem aparecer.
ainda assim, embora o resto estivesse normal, algo me chamou a atenção bem no final da janela: uma seção chamada “observações especiais”, com uma linha inesperada logo abaixo.
observações especiais
– atualmente sob efeito de uma habilidade de controle mental.
então a perda repentina de medo foi por causa do efeito de uma habilidade?
isso explicava muita coisa.
quando se está sob a influência de uma habilidade que altera a mente, é natural que o pensamento racional vá por água abaixo.
‘pensando bem, esse cara agiu do mesmo jeito quando o nikellus original veio aqui da primeira vez. já era obcecado pela vidente naquela época também. será que ele já estava sob o efeito dessa habilidade naquela época?’
o nikellus original, ciente das ações do conde, exigiu a libertação imediata da vidente sequestrada.
mesmo com os gritos e ameaças de nikellus, o conde se manteve firme.
“não sei como você descobriu que eu levei a vidente, mas sem provas, você não pode fazer nada~”
…ele ainda provocou.
essa provocação arrogante fez nikellus perder o controle, ameaçando destruir a propriedade.
só então, percebendo a gravidade da situação, o conde fugiu usando um item de voo, escapando por pouco com vida.
essa era a história por trás do incidente.
resumindo:
- o conde havia sequestrado a vidente primeiro.
- nikellus, tentando resgatar a vidente, invadiu a propriedade do conde, causando caos e destruindo o local.
- depois que eu possuí o corpo de nikellus, perdi a memória do sequestro da vidente.
- aproveitando isso, o conde me pintou como um lunático que causou estrago na propriedade sem motivo e ainda exigiu indenização.
- mas agora, parecia que tudo isso poderia ter acontecido porque o conde estava sob o efeito de uma habilidade de controle mental.
‘como ele se deixou envolver nisso? não é como se fosse pobre. ele devia ter pelo menos um item de resistência a controle mental.’
será que a habilidade que o afeta é tão poderosa que anulou até os itens de proteção?
se for o caso, não era uma habilidade qualquer.
tinha que ser pelo menos de rank a.
‘de um jeito ou de outro, isso tá virando uma dor de cabeça.’
pelo estado atual do conde, eu provavelmente teria que recorrer a métodos mais agressivos pra arrancar o paradeiro da vidente.
antes de continuar, sinalizei discretamente para rubin com um olhar, indicando que era hora de começar a gravação.
quando rubin assentiu, voltei para o conde.
“‘sua’? a vidente não pertence a ninguém.
sequestrar ela no meio da noite. e agora vem justificar isso com essa cara de pau?”
“e-eu levei ela pra proteger!”
o conde soltou exatamente a resposta pra qual eu estava conduzindo ele.
caiu fácil demais na armadilha.
talvez isso também fosse efeito da habilidade de controle mental?
de qualquer forma, mantive a expressão neutra, forçando uma confissão mais completa.
“proteger?”
“se eu tivesse deixado ela naquela torrezinha da profecia ou sei lá o quê, mais cedo ou mais tarde, forças estrangeiras teriam levado ela embora!”
“então você tá dizendo que sequestrou ela antes que isso acontecesse?”
“eu não podia simplesmente ficar parado vendo um recurso humano tão valioso sendo mal gerenciado! antes que algum poder estrangeiro a levasse, eu agi primeiro, pelo bem do império—pra proteger ela—!”
“já chega. pode parar com esse latido todo.”
no momento em que ouvi tudo o que precisava, me virei para rubin.
“pegou tudo?”
“sim! o rosto dele tá nítido, e o áudio tá perfeito.”
“ótimo. garante que isso fique bem salvo. é uma prova fundamental pra expor o esquema de sequestro dele.”
mesmo nessa era de avanço tecnológico lento, já existiam dispositivos mágicos capazes de registrar imagens e sons.
parece que o conde também percebeu isso, pois sua expressão ficou rígida.
ele entendeu que sua confissão havia sido gravada.
embora tenha fechado a boca tarde demais, rubin já tinha salvo a cena incriminadora.
agora, tudo o que restava era arrancar dele a localização da vidente. e, para isso—
“pode parar a gravação agora. o que vem a seguir é melhor não ser visto pelo público.”
…com esse pedido simples, dei a rubin o sinal para encerrar.
achei que o conde fosse resistir mais, mas felizmente bastaram três socos pra ele abrir o bico.
mesmo sob o efeito da habilidade de controle mental, o conde claramente não era acostumado com violência física — o que o fez ceder rápido.
o primeiro soco o deixou murmurando, em choque.
“como se atreve… como se atreve a me bater…?!”
no segundo, tentou negociar.
“e-eu dobro a compensação que prometi! vamos encerrar isso por aqui, que tal…?”
e no terceiro, ele finalmente quebrou.
“a vila… costa sudoeste da cordilheira de filma (필 마령)… é lá que estou mantendo a vidente!!”
ele soltou a localização da vidente.
eu podia ter parado ali, mas dei mais dois socos por precaução.
esse era o mesmo homem que se aproveitou da lacuna de memória causada pela minha possessão de nikellus.
escondeu o sequestro da vidente e ainda culpou nikellus como único agressor, exigindo indenização.
suas ações vis mereciam uma correção — cortesia dos meus punhos.
por ora, deixamos o conde bem amarrado em um lugar isolado, enquanto rubin e eu partimos rumo à vila mencionada.
voando rapidamente pelo céu, rubin — que me carregava nas costas — de repente falou:
“ei, niké. pode me explicar o que tá realmente acontecendo?”
“hm?”
“eu entendi que essa ‘vidente mais antiga’ foi sequestrada pelo conde. e agora você tá indo resgatar ela em nome da justiça?”
justiça, hein?
a pergunta cutucou minha consciência, e eu hesitei por um momento antes de responder.
“bom, não é exatamente por algo tão nobre quanto justiça. quando ela foi sequestrada, apareceu nos meus sonhos. disse que foi levada pelo conde e prometeu revelar uma informação importante se eu ajudasse. foi tipo… uma proposta, no sonho.”
“no seu sonho?”
“é. você conhece os ‘demônios do sonho’?”
o rabo de rubin balançou animado enquanto ele respondia:
“claro! são um tipo de demônio de baixo escalão, né? aparecem nos sonhos com uma forma bonita, seduzem a vítima e se alimentam da vitalidade dela.”
as versões femininas são chamadas de ‘súcubos’, enquanto as masculinas são conhecidas como ‘íncubos’. no geral, são chamados de demônios do sonho (mongma, 夢魔).
a vidente mais antiga sempre teve uma conexão profunda com esses demônios do sonho.
“entendi, entendi…” — falei, rindo pelo nariz. “mas não. esse demônio do sonho fez algo ainda mais estranho.”
rubin virou a cabeça na minha direção, curioso.
“em vez de usar essa habilidade pra poder obter riqueza ou dominação… ele decidiu… ajudar as pessoas.”
rubin piscou, incrédulo.
“…hã?”
“pois é. ele começou a entrar nos sonhos das pessoas, alertando sobre tragédias que ainda não haviam acontecido. às vezes sussurrava conselhos. outras vezes, apenas observava. mas sempre com o objetivo de evitar que algo ruim acontecesse.”
“…isso é mesmo um demônio?”
“só porque é chamado de demônio, não significa que seja maligno, certo? esse aí era… diferente. excêntrico. talvez solitário demais.”
rubin refletiu em silêncio por alguns segundos, antes de murmurar:
“isso… isso se parece com a vidente mais antiga, não se parece?”
assenti, devagar.
“sim. dizem que, depois de um tempo, esse demônio do sonho escolheu encarnar em um corpo humano. talvez por cansaço. talvez pra se conectar de verdade com as pessoas. e assim nasceu a primeira Seer — a primeira de uma linhagem que carrega o dom de ver o futuro através dos sonhos.”
rubin ficou boquiaberto, os olhos arregalados.
“então… a vidente mais antiga seria… a reencarnação daquele demônio do sonho?”
“ninguém sabe ao certo. mas o que eu sei é que… a conexão dela com os sonhos não é coisa desse mundo. e se ela realmente me procurou através de um sonho… é porque algo muito maior está prestes a acontecer.”
rubin ficou em silêncio, absorvendo cada palavra.
no horizonte, a silhueta da vila começava a aparecer, escondida entre penhascos e o mar calmo.
o ar estava estranho. denso. como se os próprios sonhos tivessem deixado marcas ali.
“vamos rápido”, murmurei. “ela nos espera.”
…sério?
um arrepio percorreu minha espinha, mas escolhi continuar, revelando a reviravolta da história.
— bem, de qualquer forma, você não está totalmente errado. geralmente, quando alguém ganha um poder assim, o primeiro instinto é satisfazer seus próprios desejos. mas, estranhamente, esse demônio dos sonhos fez exatamente o oposto. em vez de governar sobre os outros, ele escolheu se esconder.
— se esconder…?
— ele abandonou sua identidade como demônio e se casou com um humano, se misturando à sociedade humana. os descendentes nascidos dessa união são hoje conhecidos como o ‘clã dos videntes’. eles herdaram uma fração da habilidade de premonição do demônio dos sonhos.
foi por isso que me referi ao demônio dos sonhos como um ‘demonkin’ em vez de ‘monstro’.
entre os demonkin, apenas aqueles que feriam humanos eram rotulados como monstros, mas esse demônio dos sonhos não causou nenhum mal.
portanto, ele não era um monstro — apenas um ser de uma espécie diferente dos humanos.
— mas por quê?
rubin inclinou a cabeça, confuso com minha história.
ele parecia achar estranho que um demônio dos sonhos com o poder da premonição escolhesse se misturar à sociedade humana em vez de dominar o mundo.
após pensar por um momento, respondi:
— quem sabe? é difícil para pessoas comuns entenderem os pensamentos de alguém que pode ver o futuro. então, eu também não tenho certeza… mas talvez ele tenha previsto algo.
— tipo uma catástrofe gigantesca? algo que o fez sentir que precisava se esconder entre os humanos?
— talvez. ele pode ter previsto algo assim. de qualquer forma, a pessoa que eu vou resgatar — a ‘vidente mais antiga’ — é alguém que herdou esses poderes de forma particularmente intensa. ainda não sei por que ela é chamada assim, mas… parece que ela carrega o sangue do demônio dos sonhos com força suficiente para entrar e sair dos sonhos das pessoas.
tentei recordar a memória que recuperei através do ‘fragmento de uma memória perdida’ — o momento em que a vidente mais antiga apareceu no sonho de nikellus.
‘ela era bem jovem. mal devia ter vinte anos, eu acho?’
a vidente que apareceu no sonho era jovem, em forte contraste com o título de ‘vidente mais antiga’.
ao redor dela flutuavam inúmeros fragmentos brilhantes, cada um irradiando uma luz suave.
não era difícil adivinhar o que eram.
sonhos.
os fragmentos brilhantes eram todos sonhos, reunidos através da habilidade única do demônio dos sonhos de ‘coletar sonhos’.
sonhos dos mortos e dos vivos…
sonhos de imperadores e mendigos…
sonhos de grandes heróis e vilões terríveis…
a vidente estendeu sua mão pálida, escolhendo um sonho entre os inúmeros ao seu redor.
esse sonho em particular brilhava mais do que todos os outros.
entregando-o a nikellus, a vidente fez uma pergunta:
— “de quem você acha que é esse sonho?”
…esse foi o enigma que ela propôs.
Continua..