Capítulo 12
— Eu não fazia ideia de que a senhorita entendia tanto assim de carruagens — murmurou Donovan, com um tom de surpresa.
— Nem é isso tudo… — respondi, sentindo-me, de repente, no mesmo nível do Giuseppe, aquele pirralho obcecado por qualquer coisa com rodas.
Para sair da situação, resolvi mudar de assunto.
— E olha aqui, sou sua irmã mais velha, viu? Me chama de “irmã”, pelo menos.
— Hmph! Irmã, sei… — Giuseppe torceu o nariz. — E quando é que vamos dar uma volta nessa carruagem, hein?
Nesse momento, Rosanne, que estava nos observando em silêncio, comentou surpresa.
— Vocês dois parecem bem próximos.
Giuseppe praticamente deu um pulo para trás.
— Q-quê? Mãe! Eu e essa aí? Nem um pouco próximos, tá?!
— É assim que você fala com a sua irmã mais velha, Giuseppe?
Ele fechou a boca na hora, emburrado, mas claramente sem coragem de responder à mãe. Tava na cara que, mesmo que morresse, ele não queria me chamar de “irmã”.
Foi então que Livi se aproximou, com as mãos para trás, e comentou timidamente:
— A carruagem é muito bonita.
— Hã? Ah, é… — respondi, meio surpresa.
Ué, mas até agora ela nem tinha olhado pra carruagem direito.
Bom, eu já tinha visto tudo o que queria. A encenação de filha mais velha zelosa pelo bem-estar familiar já estava de bom tamanho.
Olhei para Raul e Rosanne:
— Eu vou voltar pro quarto agora. Ainda tenho que terminar os preparativos para o início das aulas.
— Ah, espere! — Livi se apressou a tirar as mãos das costas e estendeu uma pequena caixinha para mim. — É só uma coisinha simples, mas… é um presente de aniversário.
Recebi a caixa enfeitada com delicadas flores em tecido.
…Ah, então é hoje.
Essa era a cena em que Livi descobria que era o aniversário da Therese e, como gesto de boa vontade, lhe dava um presente simples.
Na história original, a Therese nem olhava para a caixinha — jogava direto no chão.
Se eu fizesse isso agora, era morte certa. Rota de falecimento garantida.
— Posso abrir agora?
Livi assentiu, com o rosto corado e os olhos abaixados.
Dentro havia uma pulseira feita à mão. E, de fato, bem feita — as cores combinavam, os nós eram caprichados. Um presente simples, mas gracioso, como se esperava da personagem dela.
Coloquei a pulseira no pulso imediatamente.
— É linda. Obrigada.
Ao ver que eu realmente havia aceitado o presente, Rosanne também retirou discretamente a pulseira que usava. Era uma bem parecida com a minha, feita de linha fina.
— A intenção é boa, mas para a filha mais velha da casa Squire, ainda falta algo.
Ela então tirou um pequeno pingente — uma pedra azul límpida — e o prendeu à minha pulseira.
— É uma água-marinha. Trouxe comigo quando me casei. Não é daquelas joias mais modernas, mas tem ótima qualidade.
Fiquei olhando para a pedra do tamanho de uma unha. Ela brilhava ao sol como um pedaço de gelo do Mar do Norte — azul, límpida, cortante.
Therese nunca viveu nada assim com essa família. Na história original, não havia uma única cena com esse tipo de afeto.
Senti um nó na garganta.
Era como se eu estivesse prestes a experimentar um sentimento que não me pertencia. Algo que ia muito além do meu lugar nessa história.
Fiquei em silêncio, sem saber como reagir.
Nunca tinha recebido presentes com esse tipo de carinho. Nunca ganhei nada com história, com afeto.
Raul franziu a testa ao notar meu silêncio.
— Agradecer seria o mínimo, não acha?
Raul sempre teve tolerância zero com a grosseria da Therese, especialmente em relação à esposa dele.
Assustada por ter cometido uma possível gafe, tratei de corrigir:
— M-muito obrigada. Eu nunca tinha recebido um presente assim ant—
Ah. Merda.
Tapei a boca imediatamente. Algo que deveria ter ficado apodrecendo no fundo da minha cabeça acabou escapando.
— Agradeço de verdade pelo presente. Com licença, eu vou indo.
E, sem dar chance de mais conversa, dei meia-volta e saí apressada.
— Therese!
Alguém me chamou, mas não parei. Nem olhei pra trás.
As Constelações começaram a despejar doações frenéticas, como se o drama familiar fosse um espetáculo imperdível.
— Ela é só um brinquedo, senhorita Jiwoo — ecoou a voz zombeteira do Oswald em minha mente.
Por um instante — um único segundo — me peguei pensando: e se… e se eu fosse alguém digno de receber esse tipo de carinho?
Ridículo.
Você não é essa pessoa.
Livi só fez o que podia com os recursos que tinha. Ela ainda não sabia como gastar a fortuna de uma família nobre — então fez uma pulseira com as próprias mãos.
E Rosanne? Inteligente o bastante para evitar que o presente da enteada virasse motivo de zombaria.
Eu sabia disso. Sabia o tempo todo.
Sabia que, por não ter sido amada, eu encarava esse tipo de gesto como algo extraordinário.
Sabia também que esse encantamento tolo só tornava tudo ainda mais patético e humilhante.
Por isso, fiz o que aprendi a fazer para sobreviver: me diminuí.
Me feri antes que pudessem me ferir. Esse era o meu mecanismo de defesa. Era assim que eu seguia em frente.
— Haa… Haa…
Quando finalmente cheguei ao quarto, ofegante, as criadas me olharam assustadas.
— Aconteceu alguma coisa, senhorita?
— Não… nada.
Nem era preciso ter grande sensibilidade pra notar que eu queria mudar de assunto.
Elas se entreolharam, claramente desconfortáveis, mas não ousaram insistir.
Recuperei o fôlego e olhei ao redor do quarto, agora tomado pelas pilhas de presentes de aniversário vindos de todas as famílias nobres.
— Até que foi bom. Dá pra distrair a cabeça.
— Preciso terminar de responder às cartas. Já estão com tudo separado?
A criada mais antiga, Eloise, respondeu:
— Sim, senhorita. Já fizemos a triagem e listamos as casas que exigem resposta direta.
Sentei-me à escrivaninha e me concentrei nos papéis.
Aos poucos, meu humor, antes instável, começou a se acalmar.
Eu sou só uma intrusa nessa história. Não tem por que levar pro lado pessoal.
Repeti isso pra mim várias vezes. E aos poucos, comecei mesmo a acreditar.
Acho que foi só por estar destreinada.
Expectativa. Decepção. Mais expectativa. Depois, ódio. Esse ciclo era meu velho conhecido.
Mas, depois que saí de casa, parei de viver assim. Já fazia tempo.
Acho que por isso me bateu esse pequeno pânico.
Não era pra tanto, no fim das contas.
Com esse pensamento mais leve, voltei à lista de presentes — e fiquei chocada.
Mas por que não acaba nunca?
As criadas, espantadas, diziam que nunca viram tantas cartas num aniversário só.
Claro. Estão todas usando meu aniversário como desculpa pra sondar sobre a Libby.
Como eu havia cancelado a festa, a nobreza ficou em polvorosa.
As cartas começavam com os típicos votos de parabéns, mas logo viravam interrogatório: Por que não houve festa? Está tudo bem na família? Quando poderão nos visitar?
Pareciam todas escritas pela mesma pessoa.
A maior parte delas foi respondida pelas criadas, mas havia algumas que exigiam minha atenção pessoal.
— Então é isso… aniversário na alta sociedade não é exatamente um dia de folga, né?
E não eram só as cartas que estavam me dando dor de cabeça.
Ding!
[Constelação ‘Eu Amo a Mika’ doou 100 moedas.]
[Por que alguém assiste isso? kkk chato demais. Bora todo mundo pro canal da Mika!]
Com o crescimento do canal, começaram a surgir novas Constelações — e, com elas, os primeiros haters.
[Algumas Constelações franzem o cenho.]
Ding!
[Constelação ‘Banhammer’ doou 1.000 moedas.]
[Fanboy da Mika vindo causar até aqui? Ban nele.]
No mesmo instante, uma nova janela do sistema apareceu.
[Administrador do canal — Oswald — bloqueou a Constelação ‘Eu Amo a Mika’.]
Então ele realmente gerencia esse canal.
Franzi a testa, incomodada.
Não com os haters — isso eu aguentava. O que me incomodava era lembrar, toda vez, que Oswald estava por perto.
Não quero nem ter que lembrar que aquele desgraçado existe.
— Vamos pensar só em coisas boas. Só coisas boas.
Afinal… em breve, a chave dimensional estaria em minhas mãos. E então, tudo isso poderia acabar.