Capítulo 03
Num instante, o silêncio tomou conta de tudo.
—…
Fiquei sentada na cama, sem fazer nada.
A janela do sistema foi quem quebrou o silêncio.
[A constelação está entediada com essa introdução sem graça.]
Encarei a janela com olhos vazios, como os de um peixe morto.
Quantas constelações estavam me assistindo?
A ideia me sufocava.
Saber que virei um macaquinho preso num zoológico, forçado a fazer truques pra agradar seres desconhecidos, me prendia como uma corrente de metal gelado.
Logo, um sorriso meio insano escapou pelos meus lábios entreabertos.
Eu sou a desenvolvedora de Deleite dos Deuses.
E por isso, eu sabia melhor do que ninguém: esse mundo girava completamente ao redor da heroína.
A heroína era amada só por existir.
Therese era a vilã — colocada ali apenas para levantar bandeiras vermelhas e fazer a heroína brilhar ainda mais.
O que esperam que eu faça com essa tal de Therese?
Não posso acreditar que tenho que ser amada por um protagonista masculino pra não morrer.
Era igual ao passado, quando eu precisava implorar pelo afeto da minha família só pra continuar viva.
Repulsivo.
Plim!
[A Constelação ‘Passe Romântico’ patrocinou 100 moedas.]
[Quando é que o protagonista masculino vai aparecer?]
Como um superchat no YouTube, uma janela de patrocínio surgiu na tela.
Pelo visto, elas podiam se comunicar comigo assim.
Achei isso um inferno criativo.
O Oswald, que me colocou no corpo da vilã deste mundo, só podia ser um filho do demônio.
Pra encerrar a transmissão, eu teria que jogar Deleite dos Deuses até o fim no modo difícil sem morrer nenhuma vez e ver o final verdadeiro.
Não sei nem por onde começar.
Toda essa situação, a morte iminente, as penalidades… tudo me deixou em pânico.
Eu não era uma protagonista que superava qualquer adversidade.
Só era uma desenvolvedora comum que fazia jogos…
— Espera aí.
Eu não lembro de ter visto nenhuma condição exigindo envolvimento com um protagonista masculino…
Voltei correndo para reler o conteúdo da missão.
[Missão: Alcance o final verdadeiro de Deleite dos Deuses no modo difícil.]
— …!
Não havia nenhuma cláusula dizendo que precisava haver romance com o protagonista masculino.
Existe um caminho.
O modo difícil não era um completo desastre só porque eu tinha virado a Therese.
O final verdadeiro [Paraíso], que podia ser alcançado sem se envolver romanticamente com ninguém, só existia no modo difícil.
Não demonstrei minha alegria.
Levando em conta que a constelação ‘Passe do Romance’ estava esperando o protagonista e o gênero do programa era romance, ninguém ia gostar de um desfecho desses.
Nem mesmo nossa equipe de desenvolvimento — que criou esse final só como um “serviço bônus”.
Se eu encontrasse o [Paraíso], veria o final na hora.
Então, eu ia fingir entregar o que as constelações queriam, acumular 1 bilhão de moedas e dar o fora pra Terra.
Mesmo que não conseguisse as moedas todas, tudo bem.
Se eu fosse para o Paraíso, a transmissão acabaria. Se eu resolvesse tudo que ameaçava a Therese, viver como ela nem seria tão ruim.
Não, talvez fosse até melhor. Significaria que não preciso voltar pra realidade.
Quando consegui organizar os pensamentos, me concentrei no que precisava fazer primeiro.
— Para encontrar o Paraíso, preciso primeiro acabar com o toque de recolher e entrar no alojamento da escola. Para a Therese, o Duque de Squire é uma bandeira mortal.
A mansão do duque era cheia de ódio por Therese.
O pai dela, Raul Squire, simplesmente a detestava.
Era o começo do jogo, pouco antes da heroína chegar à casa do duque.
Ali, havia apenas uma forma de Therese ganhar pontos.
Retirei o cobertor que tinha enrolado em mim como uma armadura e saí do quarto.
Meu destino era o escritório do Raul.
Eram 10h40 da manhã.
A essa hora, o duque sempre estava lá.
Os empregados se entreolharam, espantados, ao me verem andando de pijama.
— O que aconteceu, senhorita? É só nos dizer o que precisa e voltar quando estiver devidamente vestida…
Passei direto pelo mordomo e entrei no escritório.
Bam!
— Pai!
— …Therese?
Raul franziu a testa assim que me viu de pijama.
Respirei fundo antes que ele começasse a gritar.
— Pai, a Libby está viva.
Raul congelou por um momento.
— …O quê?
É claro que ele não acreditaria de primeira.
— Eu vi com meus próprios olhos no centro da cidade. Uma garota idêntica à minha madrasta, numa peça de um grupo de teatro itinerante que os plebeus assistem.
[A constelação ‘Passe Romântico’ tenta te impedir desesperadamente.]
[‘Passe Romântico’ repreende a streamer por fazer algo que pode prejudicá-la.]
Outra constelação abriu uma janela de patrocínio.
Plim!
[A constelação ‘Resposta Satisfatória’ patrocinou com 100 moedas.]
[HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA]
Pelo visto, me patrocinaram só pra rir e me dar um empurrãozinho.
Raul não acreditou de cara.
— Como posso confiar nisso?
— Eu juro. Se não for verdade, o senhor pode tirar minha autoridade como Squire.
Revogar o título da princesa.
Era o mesmo que ordenar a morte de Therese.
Ao insistir com tamanha força, Raul ficou desconcertado com o absurdo.
Mas a questão era importante demais para ser ignorada.
— Por que está dizendo isso só agora?
Raul tinha um ressentimento profundo por Therese.
Mesmo que fosse verdade, ele acreditava que ela jamais revelaria o paradeiro da Libby — porque odiava a meia-irmã.
Essa era a configuração original.
Mas eu tinha um motivo para convencê-lo.
— Eu ia contar depois de investigar mais, pra ter certeza. Mas o senhor me trancou com o toque de recolher.
— Então… Se o que você diz for verdade, quer que eu suspenda o toque?
— Sim.
Uma troca trivial pela segurança da irmã.
Era exatamente algo que a Therese faria.
[As Constelações soltam suspiros.]
[A Constelação ‘Maníaco por Desenvolvimento*’ grita que era exatamente isso que queria.]
[A Constelação ‘Maníaco por Desenvolvimento’ pergunta se não tem nenhum segredo de nascimento.]
Nota: “Maníaco por Desenvolvimento” é uma adaptação de “막드매니아”, termo coreano que vem de “막장 드라마 마니아” — expressão usada para descrever fãs de dramas com enredos exageradamente caóticos, repletos de reviravoltas como traições, segredos de nascimento e amnésias. Essa Constelação representa esse tipo de leitor/espectador.
Raul mostrou decepção.
— …Você não dá nem ordens aos criados, e a única coisa que faz é explorar a dor dos pais.
Por outro lado, havia nele uma esperança quase desesperada de encontrar a filha perdida.
Raul chamou o mordomo.
— Donovan, investigue a trupe itinerante que esteve no centro da cidade… Não, eu mesmo irei. Prepare os cavalos.
— Sim, meu lorde.
Raul, um grande nobre, nunca saía pessoalmente para esse tipo de coisa.
Mas a possibilidade de reencontrar a filha parecia deixá-lo inquieto demais pra ficar parado.
Acho que era esse o sentimento dos pais. Não sei.
Ele vestiu o casaco e lançou um olhar severo pra mim.
— Therese, mantenha-se discreta enquanto verifico os fatos.
— Sim, senhor.
— …
Ele hesitou, como se esperasse uma resposta atravessada minha.
— Mestre?
O servo que o ajudava com o casaco chamou, confuso, e Raul enfim assumiu sua expressão fria e cruzou os braços.
Saiu da sala com o mordomo, deixando-me sozinha.
Um tratamento bastante medíocre pra uma princesa.
Suspirei baixo e percebi que minhas mãos estavam suadas.
Não sabia se era nervosismo pela negociação ou simplesmente lidar com Raul era desgastante.
Talvez ambos.
Voltei direto pro meu quarto.
Tinha algo a fazer enquanto Raul saía atrás da Libby.
Sair do meu quarto.
— Aquele móvel, à esquerda. Espera, se deixar a penteadeira aqui, a luz vai bater direto no espelho. Muda pro outro lado.
— Sim, senhorita.
Therese tinha o segundo melhor quarto da casa, só perdendo para o do duque e da duquesa.
Ter o melhor quarto entre os filhos significava ser o herdeiro — e isso era importante.
Transferi todos os pertences da Therese pra um canto da casa onde seria menos provável cruzar com a família.
— Coloque o vaso na janela.
— Entendido, senhorita. E este aqui?
— No armário ali.
Só que o quarto onde eu estava agora não era o novo quarto, e sim o original — o reservado ao sucessor.
E o motivo de eu estar redecorando esse quarto era simples:
— Quando minha irmã chegar, quero que esteja pronto pra ela usar. Vou deixar aqui algumas roupas novas que ainda não usei.
— Como desejar.
Lembrava bem de como tinha projetado o quarto da Libby e me empolguei em dar vida ao plano.
Era estranho, mas emocionante, ver algo que eu criei se tornando realidade.
Essa era a única vantagem dessa maldita possessão.
— Ralei tanto pra fazer esse quarto…
Fiquei apegada a ele, já que pesquisei em revistas de decoração e filmes antigos pra montar o design.
Plim!
[A constelação ‘Teórico da Conspiração’ patrocinou com 100 moedas.]
[Já entendi, kkk. Vai fazer uma passagem secreta? É assim que ocorrem os assassinatos!]
Será que essa constelação entrou aqui sem saber que o programa é de romance? Assassinato é o caramba.
E se eu matasse a heroína, ia direto pro final ruim.
Estava numa situação em que precisava torcer pelo sucesso e pela felicidade da heroína mais do que qualquer um.
Plim!
[A constelação ‘Teórico da Conspiração’ patrocinou com 100 moedas.]
[O Oswald nunca escolhe gente normal, kkk. Quando é que você vai mostrar sua verdadeira face?]
— Também acho que não sou normal…
Eu só queria fugir da Terra — ou de qualquer lugar do mundo — se encontrasse uma forma de chegar ao Paraíso.
Mas provavelmente não era esse o tipo de “verdadeira face” que as constelações queriam ver.
Continuei decorando o quarto da Libby com ainda mais dedicação.
Antes do pôr do sol, Raul pediria um teste de paternidade e voltaria pra casa com a Libby.
Então, uma empregada veio até mim.
— Senhorita, a senhora duquesa está aqui.
Ao olhar para trás, uma beleza imponente — como se uma rosa dourada tivesse ganhado forma humana — me encarava com o rosto rígido.
Rosanne Squire, a Duquesa. Madrasta da Therese.
[A constelação ‘Maníaco por Desenvolvimento’ está ansiosa pelos próximos passos da streamer.]
Ansiosa por quê? Tá achando que vou tacar kimchi na cara dela como em drama coreano?