Capítulo 02

Raul suspirou profundamente enquanto olhava para Therese, que era examinada pelo médico.

O médico declarou, sem grandes preocupações, que o tratamento havia sido concluído.

— Parece que os ombros e o pescoço se tensionaram subitamente por causa do estresse, o que a fez desmaiar. Com descanso, ela ficará bem.

— Entendo…

Therese tinha uma personalidade simples. Era honesta e direta — ficava irritada quando estava com raiva e sorria quando estava feliz. Provavelmente nunca soubera o que era estresse até agora.

— A separação foi tão chocante assim?

Raul suspirou de novo.

Na verdade, no que dizia respeito ao término, mais de 90% da culpa era de Therese.

Embora o noivo não estivesse à altura da posição de um Conde, Therese passou dos limites ao tratá-lo de forma cruel, como um escravo.

O jovem nobre, que seria seu futuro genro, começou a apresentar queda de cabelo por estresse e implorou pelo rompimento.

“Quanta humilhação aquilo foi…”

Raul ficou furioso com a filha e imediatamente deu início ao processo de dissolução do noivado, chegando a pagar uma compensação.

Mesmo que seu orgulho fosse ferido, não podia suportar o escândalo de que sua filha, uma nobre, havia sido rejeitada antes do casamento.

Naquela noite, como esperado, Therese apareceu bêbada, protestando contra ele.

— Haa…

Mas as lágrimas? Isso ele não esperava.

Therese era do tipo que gritava, xingava e brigava para conseguir o que queria — nunca tinha chorado antes.

Parecia extremamente venenosa.

Ainda mais quando pensava na maneira como tratava sua esposa e seus irmãos mais novos.

Já havia desistido dela há tempos.

— Tsk.

Raul balançou a cabeça enquanto encarava o rosto da filha ainda molhado de lágrimas.

Antes de deixar o quarto, chamou um dos criados.

— Quando Therese acordar, diga que o toque de recolher foi suspenso.

— Sim, meu lorde.

— Acorde agora.

Uma voz suave invadiu minha mente entorpecida.

— Cof!

Soltei uma série de respirações curtas, como se tivesse acabado de emergir da água, deitada sobre a cama.

A cabeça latejava como se uma furadeira a atravessasse, e meu corpo parecia pesado como algodão encharcado.

Quanto tempo eu estive desacordada?

Olhei para os lençóis brancos, hesitando em levantar a cabeça.

E se esse lugar não fosse o estúdio?

E se aquela ideia absurda — de que me tornei a vilã de um jogo em desenvolvimento — fosse real?

— …

Minhas pupilas tremeram ao ver o padrão do papel de parede assim que levantei o olhar.

Era o design usado no quarto da duquesa da Casa Squire.

— Não é um sonho…

— Nem um pouco.

Engasguei!

Uma voz estranha, suave e masculina, soou bem ao meu lado.

Encolhi o corpo como um animal acuado, sentindo um perigo instintivo.

O homem me olhava de cima, divertido.

Clac.

Engoli em seco.

Ele tinha cabelos descoloridos, várias argolas nas orelhas e usava um terno vermelho berrante e grotesco.

Seus olhos semicerrados e o sorriso torto davam a impressão de insanidade.

Esse homem definitivamente não era um personagem criado pela nossa equipe.

— Quem é você?

Ele fez uma reverência exagerada, no estilo ocidental.

— Sou Oswald, o Administrador do canal. Pode me considerar um facilitador — alguém que ajuda o programa a fluir, para a alegria das Constelações.

Me lembrei da janela de notificação que vi antes de desmaiar: [As Constelações entraram].

Se essa possessão não era um sonho… o streaming também não era.

…Isso faz algum sentido?

Isso é real? Por quê?

Oswald girou uma bengala adornada com um crânio e olhos de rubi.

Zuun!

Um sofá foi puxado até a cama como um peixe preso no anzol.

Observei tudo de olhos arregalados.

Ele se sentou e me encarou com um olhar curioso.

— Parece que se acalmou um pouco. Vamos conversar de verdade agora?

Sentei na cama, tensa.

Segurei o cobertor com força, como se fosse uma armadura.

Oswald olhou para meus dedos apertando o tecido e riu.

— Não precisa ficar nervosa. O que tenho a oferecer não vai te machucar.

— Isso é o que você diz.

Ele assentiu, como quem respeita minha resposta.

— Comparando com o seu mundo, um Administrador de canal seria como um diretor de programa. Só que o público não são humanos, mas Constelações.

Ele suspirou, como quem reclamava de mudanças no mercado.

— Eu costumava agradar as Constelações com gêneros sombrios: desastres, guerras, traições… Mas ultimamente, os romances estão dominando.

Tac!

Ele estalou os dedos, e uma tela com ranking de vídeos populares apareceu no ar.

Mesmo tentando racionalizar tudo, eu ainda estava em choque.

— Do primeiro ao trigésimo lugar… tudo romance. — disse ele com desdém.

Seu olhar deixava claro o quanto odiava histórias de amor.

— Então, tive que me adaptar. Foi quando descobri Deleite dos Deuses.

— Espere aí.

O interrompi.

— Esse programa funciona… com o criador possuindo um personagem próprio?

— Às vezes sim, às vezes não.

Então… por que eu?

— Por que justamente eu?

Oswald sorriu de forma estranha.

— O Deleite dos Deuses é um bom ponto de partida para o gênero romance. E você também.

Uma mulher desesperada por amor. Uma criadora que fez um jogo baseado em seus próprios desejos.

Ao entender a insinuação, meu rosto corou de vergonha.

Oswald parecia quase piedoso.

— Não há vergonha nenhuma nisso. Por isso mesmo, você foi escolhida.

Aquilo só me deixava mais desconfortável.

Me senti encurralada, atolada num pântano pegajoso.

Quis bater nele. Sumir dali.

Mas me forcei a engolir tudo e perguntei:

— Esse corpo… é da vilã. Não tem como protagonizar um romance sendo ela.

Nem que eu quisesse.

— Justamente por isso é mais divertido. — ele respondeu.

Falava com indiferença, como se o assunto não fosse sobre mim.

— E se eu não fizer nada?

Ele deu de ombros, sorrindo.

— Você pode simplesmente desistir. A não ser que queira o vale-desejo.

Oswald estalou os dedos novamente. Uma nova janela surgiu:

▼

[Loja]

▹Vale-Desejo [1.000.000.000 moedas]

: Concede qualquer desejo, uma única vez.

▲

— Qualquer coisa: matar um inimigo, salvar alguém querido, apagar uma dimensão…

Voltar para a Terra estava incluído nessa lista?

Como se lesse meus pensamentos, Oswald disse.

— Claro que é possível voltar para onde vivia. Mas só após o fim da transmissão.

— Fim da transmissão?

— Assim como jogos têm um final, o programa também. Quando o conteúdo chega ao fim, a transmissão acaba. A menos que junte as moedas antes.

Ou seja: ou eu termino a história, ou arrecado 1 bilhão de moedas.

— Já viu em reality shows quando o produtor dá uma missão aos participantes? Igualzinho.

Tac!

O estalo dos dedos soou como trovão.

Ring!

[Missão: Veja o final verdadeiro de “Deleite dos Deuses” no modo difícil]

▸Recompensa: Encerramento da transmissão

▸Falha: Morte

— Este canal segue o conteúdo original de Deleite dos Deuses.

Os jogos geralmente têm três níveis de dificuldade:

Fácil, onde mesmo morrendo você revive.

Normal, onde a dificuldade aumenta, mas ainda há reviver imediato.

Difícil, com mais rotas de morte e finais ruins — se morrer, é game over.

E eu tenho que jogar no modo difícil.

Como Therese. A vilã.

Mas… a vilã nunca chega ao final verdadeiro.

O final verdadeiro é exclusivo da heroína.

Pelos olhos, cabelo e sangue — coisas que não se mudam com esforço.

E Oswald ainda completou:

— Ah, e streamers que fracassam vão direto pro inferno.

…O quê?

— O inferno aqui realiza seus maiores medos. Uma repetição eterna da sua maior miséria.

Ele sorriu, como se tivesse alcançado uma grande verdade.

— O seu inferno, provavelmente, seria repetir sua vida dos 8 aos 20 anos. Para sempre.

—…

Minha pele empalideceu na hora.

Ele segurou meu queixo com força, com um olhar extasiado.

Num piscar de olhos, estávamos tão próximos que mal conseguia respirar.

— Finalmente. Nada de cara neutra. Esse é o tipo de expressão que gosto.

Seus olhos percorriam meu rosto como uma língua.

Tac!

O encarei com fúria e tirei a mão dele do meu rosto num tapa.

— Essa expressão também é excitante. Hah, minha escolha foi mesmo certeira.

Pervertido nojento. Vai pro inferno.

— Queria explicar mais, mas se o comercial durar demais, as Constelações vão sair. Vamos voltar à transmissão.

Oswald bateu com a bengala no chão. Um choque percorreu meu corpo como eletricidade fina.

Tic. Toc.

O som do ponteiro do relógio, antes inaudível, agora ecoava.

O tempo parecia ter parado por um instante.

— Espero que se torne uma grande streamer de canal. Senhorita Shin Jiwoo.

E, com isso, Oswald evaporou.